Diagnóstico in vitro da variante ômicron da Covid-19: o que a ciência já sabe
10/02/2022 - Por Marcello Bossois*, imunologista clínico, diretor técnico do Projeto Brasil Sem Alergia e pesquisador da Université Ulaval (Canadá)
Diante do surgimento da variante ômicron da Covid-19, aparecem também as dúvidas sobre a eficácia da testagem. Por isso, meu intuito aqui é tentar esclarecer algumas delas a partir do olhar da prática clínica, que é minha área de atuação primordial.
Para começar, vejamos o atual cenário em que nos encontramos. Vivemos dois surtos diferentes no Brasil: a pandemia com o SARS-CoV-2, que continua ativa, e mais recentemente o início de uma epidemia do vírus da gripe. Para poder tratar os pacientes sintomáticos adequadamente, é primordial que seja feito o diagnóstico in vitro para a diferenciação entre a variante ômicron e da Influenza.
“A testagem é importante para uma melhor segurança tanto do paciente quanto do médico, porque o diagnóstico in vitro é a única forma de diferenciar os três tipos de vírus que causam a síndrome gripal: Influenza, vírus de resfriados comuns ou SARS-CoV-2”
Mas, antes de solicitar um teste, nós, médicos clínicos, costumamos avaliar os sinais do paciente que chega ao consultório com sintomas. E, por essa prática, já notamos algumas diferenças importantes. A pessoa acometida pelo vírus da Influenza, por exemplo, relata sentir as manifestações clínicas subitamente, como se houvesse uma data e horário marcado para a apresentação dos sintomas, que chegam de forma agressiva e incluem febre alta, calafrios, mialgia (dor no corpo todo), além do aparecimento de sinais respiratórios que começam com uma inflamação ou irritação orofaringe, podendo até evoluir para fase catarral e produção de tosse secretiva.
Já aqueles infectados com o coronavírus percebem que os sintomas começam de maneira mais insidiosa e, portanto, vão evoluindo progressivamente, um a um. Além disso, a sintomatologia característica de resfriados comuns, provocados por adenovírus ou outros patógenos respiratórios, também pode confundir a identificação do paciente com a variante ômicron, cujos sintomas são mais leves do que os das cepas anteriores.
O que muda nos testes?
Os primeiros achados científicos sinalizam que a mutação da ômicron afetou a capacidade da proteína spike do vírus de se ligar aos receptores de órgãos mais críticos como, por exemplo, pulmão e endotélio vascular e, por isso, ela não atinge os órgãos mais internos de forma abrupta e agressiva, como vinha acontecendo antes. Porém, é importante deixar claro: ainda não sabemos se isso mudará a partir da hibridização da ômicron com outras variantes, como a delta, por exemplo.
Outro ponto de atenção é que essa mutação genética que afeta a proteína spike da variante ômicron pode ter tornado um pouco mais difícil a testagem de forma geral, mesmo com o método RT-PCR, que permanece sendo o padrão-ouro para a COVID-19. No futuro, a partir de novas variantes, esse olhar para a eficácia dos exames de diagnóstico in vitro será ainda mais importante.
Listo agora o que mudará nos testes laboratoriais a partir do que já sabemos:
- RT-PCR: O teste molecular, ao fazer uma transcriptase reversa do material genético viral, ainda permite sua identificação correta quando realizado entre quatro e sete dias após o início dos sintomas. Mas seu uso deve evoluir para a busca de múltiplos alvos do SARS-CoV-2 pois, como a nova variante sofreu algumas alterações estruturais (principalmente na proteína spike), pode ser que a primeira testagem não seja capaz de identificar adequadamente regiões semelhantes entre todas as variantes.
- Métodos para detecção de antígenos: Ainda não há consenso científico suficiente para afirmar se os atuais testes manteriam sua máxima eficácia na detecção da nova variante ou não. Portanto, sua realização sem restrição ainda está sendo recomendada. O teste pode ser realizado a partir do 4º dia do início dos sintomas.
- Sorologia: Em seus diversos métodos possíveis, como a imunocromatografia (bastante usada em testes rápidos de farmácias), quimiluminescência ou ELISA, os primeiros achados sugerem que possa haver uma falha no diagnóstico nos testes usados atualmente, já que a sensibilidade e a especificidade dos testes estão diminuídas em reação à nova variante. O motivo é justamente a mutação na estrutura proteica do vírus, que alterou os epítopos antigênicos, impedindo o reconhecimento dos anticorpos. Para que o teste possa positivar de maneira eficiente, sugere-se a sua realização após o 14º dia de sintomas, quando começa a produção dos anticorpos da classe IgM, ou entre o 21º e o 27º dia se o alvo da busca forem os anticorpos IgG.
Embora a identificação da ômicron seja recente, sua alta infectividade faz com que a testagem permaneça sendo a forma mais eficiente de prevenir um colapso do sistema de Saúde e da organização social. Certamente, os novos lotes de testes, em todas as suas modalidades (RT-PCR, sorologia, detecção de antígenos) estarão adaptados para as novas cepas. E mesmo que a nova variante seja menos letal, sua taxa de transmissão (Rt) é bastante elevada, entre 15 e 16, se aproximando do sarampo (Rt = 18), que é uma doença altamente transmissível.
Tudo isso aumenta o alerta para os próximos dois meses de um possível aumento da mortalidade entre pacientes com comorbidades, como cardiopatas, diabéticos e pessoas com câncer. E convém reforçar: a pandemia ainda não acabou.
O futuro do diagnóstico
Em tempo, tenho realizado um trabalho como pesquisador na área clínica no desenvolvimento de um método diagnóstico para o coronavírus que usa a tecnologia CRISPR para identificar o SARS-CoV-2 em apenas 24 horas após o contágio, a partir de uma amostra obtida do gargarejo dos pacientes.
A técnica CRISPR é mais barata que as outras metodologias e utiliza uma nuclease que, quando entra em contato com o material genético do vírus, provoca uma reação de quimioluminescência que emite fóton e colore uma fita.
Assista agora como funciona o teste CRISPR para a detecção do coronavírus
Nosso grupo, ligado a Université Ulaval (Canadá), atua em parceria com uma das mais importantes entidades de pesquisa do Brasil e fará os testes clínicos necessários para o lançamento do teste.
O método, denominado Sherlock ou Stop COVID, já foi autorizado pelo FDA para ser trabalhado comercialmente nos EUA, com a diferença de o nosso grupo utilizar a secreção oral ao invés de nasal por meio de swab, comuns aos testes americanos. A expectativa é que esse novo método substitua os testes com antígenos e/ou a técnica com RT-PCR.
*Depoimento de Marcello Bossois concedido à jornalista Renata Armas, da agência essense.
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