A Febre do Oropouche, nome dado à doença infecciosa e febril causada pelo arbovírus Orthobunyavirus oropoucheense, costumava estar restrita à região amazônica. Causada pela picada do mosquito maruim (ou mosquito-pólvora, graças a seu tamanho diminuto como um grão de pólvora), ela apresenta os mesmos sintomas de outras arboviroses, como a dengue - febre, dor de cabeça, dor no corpo - mas nunca chegou a ser amplamente reconhecida em todo território nacional. Só que, em 2023, tudo mudou.
Foi entre 2023 e 2024 que o painel epidemiológico do Ministério da Saúde deu um salto de casos confirmados: partiu de 834 e nenhum óbito pela doença no país, para surpreendentes 13.856 casos da doença e 4 óbitos confirmados até o fim de 2024. Além da explosão de detecção da infecção por Oropouche, foi observado ainda outro agravante: a doença saiu do Amazonas e percorreu os 27 estados do território nacional, com picos de casos registrados no Sudeste, especialmente no Espírito Santo (5.868).
Você sabia?
A febre amarela também é transmitida pelo maruim ou mosquito-pólvora (Culicoides paraensis), um artrópode que tem causado surtos de febre do Oropouche na América Central desde 1950
Neste 2025, os dados coletados até outubro somam 11.969 casos e 5 óbitos confirmados, com mais uma vez a liderança do Espírito Santo (6.323) e uma alta expressiva nos estados de Rio de Janeiro (2.500) e Minas Gerais (1.367).
Para Ester Sabino, imunologista, professora-titular do departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e professora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), a resposta está nas mudanças climáticas: “Antes, esse arbovírus ficava restrito a regiões com maior população do mosquito maruim, mas, com as alterações no clima, que aumentam as temperaturas e as chuvas, os vetores se espalham pelo Brasil, expandindo a região onde o vírus pode ser encontrado”.
Isso não significa que o mosquito não existia, até então, em outras regiões brasileiras. Em Santa Catarina, por exemplo, como explica Ester, o mosquito é bastante comum, pois se reproduz em material orgânico e, por isso, sobrevive bem em regiões de plantação de bananeiras e florestas. O que mudou foi a chegada desse arbovírus a cidades menores em que a população vive com mais contato com a mata.
Ester Sabino foi também co-autora do estudo Reemergência do vírus Oropouche entre 2023 e 2024 no Brasil: um estudo epidemiológico observacional, que acompanhou a alta dos casos. Na publicação, fica claro o aumento dos casos nesse pequeno espaço de tempo, entre 2023 e 2024. No ano de 2024, foram confirmados em laboratório 8.639 (81,8%) dos 10.557 casos totais de febre Oropouche registrados entre 4 de janeiro de 2015 e 10 de agosto de 2024. Ou seja, em um espaço de 8 meses, os números representam 58,8 vezes a média anual da doença, que era de 147 casos.
E mais, segundo os pesquisadores, “os dados exploratórios in vitro sugerem que o aumento da incidência pode estar relacionado a uma maior eficiência de replicação de um novo vírus Oropouche recombinante, para o qual a imunidade prévia demonstra menor capacidade de neutralização”. Por isso, é tão importante a confirmação laboratorial da doença.
“O foco com o estudo era entender se a nova variante do Oropouche tinha, pelo menos in vitro, uma maior patogenicidade, ou seja, se a doença causada pelo vírus recombinante poderia ser pior”, conta Ester, que continua: “Nós sabíamos que essa variante possui uma maior capacidade de replicação e ficou comprovado também que pessoas com anticorpos de infecções anteriores não estavam neutralizadas para a doença.”
Para realização do estudo, os pesquisadores utilizaram o kit diagnóstico de febre do Oropouche da Euroimmun, no momento usado apenas para fins de pesquisa.
Os testes laboratoriais para arbovírus como o Oropouche são fundamentais para a confirmação diagnóstica em cada indivíduo, o que leva ao tratamento eficaz. Mas também são igualmente relevantes do ponto de vista epidemiológico, já que a informação correta pode resultar em um plano de ação mais eficiente em regiões com o vírus circulante. “Os kits laboratoriais para arbovírus são importantes porque nos ajudam a entender melhor como os vírus funcionam e se eles estão recombinantes. Já nos estudos de prevalência, usamos outros testes, que medem a quantidade de IgG para entender como a doença atinge uma região. No entanto, ainda esbarramos em uma questão de custo desses testes, especialmente em tempos de epidemias”, conta Ester Sabino.
Quando não há testes suficientes à disposição, o governo realiza o chamado estudo sentinela, que identifica o agente principal circulante por amostragem, sem testar todos os pacientes. “O problema é que, dessa forma, perde-se a capacidade de assumir e identificar novos agentes patógenos, como aconteceu com a epidemia de zika vírus em 2015 e 2016”, enfatiza a imunologista, alertando que o mesmo pode acontecer com o Oropouche, já que seus sintomas são muito parecidos com os da dengue.
Outro ponto de atenção para a febre Oropouche é que a doença possui uma transmissão vertical, de mãe para o feto, que pode causar microcefalia, a exemplo do que ocorreu com as mães infectadas com o zika vírus. Socorro Azevedo, pesquisadora em saúde pública do Instituto Evandro Chagas, foi orientadora de um projeto de mestrado em virologia da biomédica Fernanda Eduarda das Neves Martins, chamado Investigação retrospectiva de infecções pelo Vírus Oropouche em casos com comprometimento neurológico no Brasil. O estudo evidenciou a transmissão vertical e a associação entre a infecção materna pelo vírus Oropouche (OROV) e a microcefalia e outras más formações congênitas.
Assim como o zika vírus, que ocasiona comprometimento neurológico, anomalias congênitas e abortos em humanos, o vírus Oropouche pode apresentar impactos significativos na saúde pública, pelo desfecho de microcefalia em recém-nascidos. Por isso, é essencial a vigilância contínua, testagem laboratorial e medidas preventivas adequadas
O comprometimento neurológico pode acontecer em casos graves da Febre Oropouche: entre 1981 e 2024, foram registrados nove casos neurológicos relacionados à infecção. No entanto, em 2024, foram identificados o primeiro óbito e malformações congênitas associadas ao vírus e, a partir desse dado, o trabalho de mestrado de Fernanda foi planejado para investigar outros casos com comprometimento neurológico associado ao OROV no Brasil, de 2011 a 2021.
O resultado serve de alarme para o risco de transmissão vertical da febre do Oropouche: dos 14 casos identificados de infecção por OROV em amostras de soro e líquor (LCR), sete foram considerados confirmados, sendo três recém-nascidos e três lactentes com anomalias congênitas, além de um adulto com neurite óptica. Outros sete casos foram classificados como prováveis, principalmente investigados por encefalite. A maioria dos pacientes residia em áreas urbanas (85,7%).
O sintoma mais comum detectado foi a febre (28,5%) e, entre os confirmados com febre do Oropouche, 57,1% dos recém-nascidos e lactentes apresentaram microcefalia. Isso mostra o quanto é essencial monitorar infecções por esse arbovírus em gestantes e recém-nascidos devido à transmissão vertical.
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